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terça-feira, 6 de maio de 2014

Jusante ou montante?


Latitude norte, extremo oeste em longitude. Essas poderiam ser as coordenadas quanto à minha posição sobre a sala de aula, que era dispersamente dirigida por um professor que, em minha mais carinhosa ponderação, se assemelhava a um patinho. Eu observava seu andar apressado enquanto ouvia sua análise apaixonada de mapas topográficos. Não mais do que isso.

Tudo bem, se eu tivesse mergulhado inteiramente dentro da aula, eu não teria tentado  romantizar— fracassadamente — a melancolia matinal em versos chulos sobre o sentido para onde os rios correm. Saiu algo como"um barquinho de papel/ era übermensch solitário/ nas marés violentas/ de um córrego calado", e então eu suspirei e voltei a me debruçar sobre a carteira. Minha atenção também voltou-se inteiramente às palavras do professor-patinho, mas a atmosfera pesada da manhã ainda fazia todos bocejarem de sono, o que se mesclava ao odor de plástico queimado que cobria a cidade desde muito cedo. Eu não enxergava mais o contorno dos prédios ao fundo, e por um momento a beleza da poluição urbana e da inversão térmica me tirou um sorriso tímido.

E sucessivamente, o tempo ia se arrastando. Me despedi do sublime amigo a quem admiro tanto, que ousou soltar "se um dia eu abrir uma escola anarquista, gostaria de nomeá-la como mentora", e assim pude sair da sala sorrindo mais uma vez.

Talvez eu só tenha um pouco de medo de tudo. Ou talvez eu só tenha acordado em mais um daqueles dias em que nada parece verdadeiramente palpável (tenho certeza de que sabe do que estou falando). Só sei que respirei levemente fundo, saquei minha filmadora da mochila, e adivinhe consegui capturar perfeitamente um pássaro parado em cima de um poste de luz, que cerca de dez segundos depois, levantou voo. Me pergunto onde ele está agora. Nesses momentos é que as coisas mais levianas da vida conseguem te tocar lá dentro, preenchendo cada vaso sanguíneo que te deixa meio vivo.

Ora pois, tudo em nome da arte. Enquanto a Terra rotacionava, desfoquei todas as luzes, fiz silêncio para todos os sons, observei de seno, cosseno e tangente, toquei até o que era proibido e procurei sentir tudo o que nenhuma outra pessoa havia sentido antes. Às vezes você acorda se sentindo alguma coisa.

Às vezes você acorda se sentindo astrônomo, místico, fotógrafo, Ernest Cline. Às vezes você acorda poeta (não, meu bem, hoje não). Ou às vezes você acorda velejante, querendo estar em um barquinho de papel, independente se irá seguir jusante ou montante. E a direção realmente não importa, não é mesmo?

2 comentários:

  1. Esse professor seria o Alexandre? Hahhaha parabéns pelo texto, lindo mesmo.

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  2. Não, eu não estudo no Positivo! Hahaha, sou do Colégio Medianeira. Obrigada pelo elogio. :3

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