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domingo, 20 de julho de 2014

Uma crônica sobre todos os cronistas mortos,

Peço perdão pela casualidade. 

Sem querer fugir dos meus rituais de criação, pego a caneta azul e rabisco algumas palavras que possam aquietar a minha dor de cabeça, mas olha só — às vezes dá para recorrer a uma máquina. Máquina do mundo, já diria Drummond, e todos os seus seguidores assíduos que são sempre um deleite de encontrar. Poderia eu olhar ao redor e expulsar alguns versos sobre o lustre do meu quarto, que tem duas cores. Sobre como eu sou sensível à poesia da vida, escrever bobagens sobre a textura daquele gravetinho ou apertar a pedrinha que o meu amor encontrou na areia, alguns meses atrás.

Só falta um copo de absinto e um cigarro sujo para eu me tornar mais uma dentre os milhares de desajustados se afogando em sílabas poéticas. Nunca me embriaguei o suficiente para que minhas palavras saíssem da minha zona de conforto, mas talvez seja só questão de tempo e espaço. Até porque, o que todos esses fracassados têm em comum já é impregnado, latente: escrevedores sofrem. Não precisam muito mais do que um pé na bunda ou epifanias de café-da-manhã para arranjarem motivo para apunhalar o capitalismo e berrar que o amor é a maior merda já inventada. Isso está escrito nos termos e condições de uso.

E é claro que, sem lê-los, embarcamos numa viagem sem volta. Carregamos nosso lar junto, se for preciso, mas o negócio é nunca olhar para trás. Às vezes você escreve e tudo dói. Das vísceras, do diafragma, do vacúolo pulsátil até aquele calo que eu tenho desde que comecei o processo de alfabetização. Talvez ele nunca suma, porque tudo parece um sacrifício, e há intensidade até na hora de apertar a caneta.

Por isso é como um vício; escrevemos porque sempre faltam palavras, por mais que não haja mais o que dizer. É um ato desesperador, dos mais tristes e solitários do mundo, tudo porque a vida não basta. Escrevemos silêncios e escrevemos sobre a morte, porque vemos nossos colegas a conhecerem todos os dias — perder um escrevinhador para a morte é quase uma antítese. É relevar a piada e o advento do dia que só ele, sempre com uma caneta na manga, seria capaz de ver. Tempus fugit.

Agora, que descansem em paz todos esses que sorriram lendo uma crônica alguma vez. Que as memórias cotidianas se tornem crônicas, nada mais do que vivas, seja no papel ou na lápide. Eternas por entre os destroços, instaurando o caos da nação, nasce aqui mais um cronista para escrever sobre quem morreu.

E eu só quero ser mais uma.

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