autor: Ayrtton Fonseca autor: Bárbara Tanaka autor: Giovana Anschau autor: João Basso

sábado, 30 de agosto de 2014

Nimbostratus

E então eu esperei você chegar com os olhos pesados
e dizer "o mundo é tão frágil" ao acariciar meu cabelo
com a vaga concupiscência de saber o que fazer.
"Não sei se quero saber", você pensava.

Na mais tola das noites
nós éramos sós.
Eu acho que a chuva era rápida e horizontal
pelo jeito que você apertava a minha mão
pra ver se tudo ficava mais morno.

Aí você vira de lado
porque todo o resto te incomodava.
Perdidos na tradução das pinceladas escuras
cobrindo o eco das luzes do vagalume
ou da cidade?

Eu não sei.
Às vezes eu só queria poder enxergar matéria escura.

Eu levantaria para ir olhar o céu
e me perder contando as nuvens mímicas
que se camuflam nas estrelas...

E você me puxaria de volta pra ti
guardando um beijo cinza
num aconchego terno, estrelado.

Talvez a gente só precise descansar.

domingo, 24 de agosto de 2014

In Persona (curtas)

Minhas palavras não fazem mais sentido para você. 
Você não faz mais sentido para as minhas palavras. 
O sentido não faz mais palavras para você. 
As minhas palavras não tem sentido sem você. 
Você não quer mais sentido nas minhas palavras. 
Sentido não terei se ficar sem suas palavras. 

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Eu
Perdi
A partir do momento em que 
Pedi
Pra você não se afastar

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sábado, 23 de agosto de 2014

Subi.
Um, dois. O terceiro degrau não. Interditado, acidentado. Um monstro, cheio de tentáculos, criatura horrenda. Um poço que leva ao infinito. Não, um buraco negro.
Agora, transitável.
Mostro meu crachá, minha senha secreta, destinada aos mais valorosos espiões e combatentes daquele reino. O distintivo daquela polícia que mata quem não aceita as suas ideias. Não, nada disso. É só um cartão qualquer, que qualquer um tem.
O monstruoso veículo começa a andar. Os motores começam a trabalhar, incessantes, doentios, com seu sangue feito de óleo, suas veias de cadeias metálicas levando estruturas químicas cheias de carbono, hidrocarbonetos e o que mais se imaginar. Funcionando sem fim.
Grave.
O motorista louco, que canta desafinadamente com um riso no fundo de sua voz.
"Every living thing
pushed into the ring
fight it out
to wow the crowd"
É uma espécie de sigla secreta, uma senha para seus comparsas dizendo: hoje nós vamos ter bastante carne de monstros para nosso açougue.
Mentira.
Só mais um delírio.
Não, o delírio é a realidade, delírio é pensar que estamos vivendo com todas essas cores.
As curvas parecem o estômago de um titã.
Meio como se fosse Cronos com seus filhos.
A propaganda dizia "Venham para os braços do caridoso pai! Aqui tem calor e amor!".
Demônios vestidos de anjos espalhavam essa história.
A tão famosa Van da Felicidade.
Felicidade feita de pepsina satânica.
Mas quem disse que esse tal Satã existe?
Deus, então?
Esses caras aí são duas mentiras.
Deus mesmo somos nós.
Que montamos todas essas coisas.
Olhem essas florestas de concreto.
Mas, na realidade, ah, a realidade... Aquela realidade real, que não tem dados de computador?
Eu só consigo sentir a perda de equilíbrio.
Vendo as coisas passando tão rápido, girando, o reflexo dos espelhos.
A realidade, aquela realidade real, passando nos meus olhos. Lenta. Grave. Uma realidade que eu tento salvar. Uma realidade com menos de trinta e dois dentes.
Ah, tem uma luz ali.
Uma luz com cara de todas as suas paixões.
Que ora tem olhos puxados, ora com olhos engraçados, ora com os cabelos pretos, loiros, ruivos, vermelhos, azuis. Uma luz.
Um apêndice naquele aparelho digestivo.
Um apêndice bom. Que ama. Um universo paralelo naquela monstruosidade. Um lugar que precisa de outra senha para entrar. Não, dessa vez aquele cartão não serve. Precisa de outra chave, uma especial.
A capacidade de amar naquela hora.
Naquele minuto.
Ter vontade.
Coragem.
Capacidade de vencer o medo de tudo.
Ali.
Agora.
Essa luz brilha todo dia, em todo lugar.
Mas não vejo-a sempre.
Mas naquela hora, ali, brilhate, radiante, me ofusca. Me dá esperança.
Muda o sentido de todas as engrenagens de qualquer Hefesto.
Muda a maré contra a vontade de qualquer Poseidon.
Solta raios contra a vontade de qualquer Zeus.
Ah, se eu tivesse algum poder desses.
Não tenho nenhum não.
Mas acho que tem uma criação de borboletas na minha barriga.
Meus pés começam a se movimentar sem cessar, sem movimento certo, sem ritmo.
Sem padrão.
Tudo errado.
Minhas mãos começam a tamborilar pela presença de uma luz.
"Ah, o amor... Hahaha!"

Minueto em G finito


Desce aqui e me traz mais um poema tácito
recita com um olhar torto, desajeitado
e com as mãos trêmulas e geladas
caminha procurando o retorno de volta.

Não tenha medo de olhar para trás
pois lá não há mais chão nem passado
nem tocha que acende os becos
ou monstros que moram à tua sombra.

Toca uma sonata alegre – ma non troppo –
e transforma a natureza morta
em céu manchado de feldspato.

Levanta daí e procura os teus destroços,
pinta a tua tristeza de saudade
e olha pra mim uma última vez.

domingo, 17 de agosto de 2014

"After I'm gone..." "... And that's how it's going to be."

Você não lança um olhar provocativo
Um relance;
Nada. 

Não faz nada. 
Não cria
Nem me vê.

Quem é você?

Me enche os olhos
Você notar
Dizer 
Pensar. 

Estou preso aqui
Dentro de mim
Levo toda a vida que não gostaria de levar
Perdido
No espaço
Correndo pra lá e pra cá. 

Eu só quero mais força
Pra conseguir levar o que quero dizer
Pra fora da minha boca
Pra dentro de você
Pra fora da minha vida. 

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

"E esse céu que não cai..."




De um lado o sol
do outro a lua
e eu no meio apreciando
você passar entre os raios de sol da manhã
como se de algum modo
alcançasse a estrela.
Eu me eternizo.
Te fotografo com os meus olhos.
A lua fazia o enquadramento perfeito 
em cima dos prédios
no meio dos galhos secos da árvore.
E o fim de tarde chega.
Depois de uma manhã com o céu
 estilo Van Gogh
um fim de tarde à la Monet.
Vanilla Sky.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

In Promptu

Aí está você. 
Um sorriso belo. Dentes brancos. 
Há algo diferente nos seus olhos. 
Uma tristeza sutil; um ar diferente. 

Eu me envergonho. 
Chuto pedras. Me recolho. 
Finjo que não vi. 
Apresso o passo. 
Passo reto. 

Não quero que seus olhos encontrem os meus, pois sei exatamente o que você faria. 

Iria sorrir para mim, levantar seu braço direito e agitar sua mão bem aberta no ar, me cumprimentando. 

E aí abaixaria a mão e poria sua face em dúvida ao ver que eu não corresponderia à sua famosa saudação. 

Não crio alarde. 
Sigo o meu caminho (já distante do seu...). 
Talvez você tenha movido seus olhos bonitos – desta vez mais tristes ainda – ao ver alguém parecido comigo. 
Talvez você tenha desviado a atenção e dito:
— Ah, não... É que eu achei que era um amigo meu...
E eu respirei profundamente, enquanto negociava com meu coração para fazê-lo bater normalmente.

Entenda: vivemos em mundos diferentes. 

(Mas me desculpe, de qualquer forma.)

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Adeus, Júlio

Júlio tinha bochechas vermelhas,
cabelo desgrenhado,
um cheiro engraçado
e feições de TV Rá Tim Bum.

Júlio dançou nove anos atrás
e deixou nada mais do que
poeira junina nas páginas
em branco do meu calendário.

Ou é Júlio ou é Brutus,
seja culpa, seja trapo
eu já não sei quem és.

Porque tudo já tomou um pouco de espaço
e agora nada passa,
só espera agosto voltar.