autor: Ayrtton Fonseca autor: Bárbara Tanaka autor: Giovana Anschau autor: João Basso

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Picross tá roubando minha vida lentamente

O seu cheiro veio como uma sombra astuta que me assusta e persegue pelas vielas desta cidade tão feia e impura. Não é como se tivesse medo; só não quero deixar entrar. Não quero viver sentindo toda a minha alma atrofiando-se dentro de mim novamente. Os estilhaços que você deixou atravessam-se como galhos bagunçados em uma floresta densa. Eu os piso, sempre com cautela, mas mesmo assim rápido, pois devo fugir da sombra novamente.

Mais rápida que minhas palavras, minha mente embaralha automaticamente o mapa que me daria caminhos de volta para casa. Sendo assim, jamais voltarei ao meu velho conforto.

E você acha que sabe demais, mas quero que sempre se lembre de um peculiar fato: você só acha que é verdade porque acha que entende.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Ensaio sobre o sonambulismo

I. hoje de manhã eu abri a janela e assisti à dança das pequenas ondulações feitas de pó quando cobertas pelos feixes de sol. nuas, livres, translúcidas – como se orbitassem o quarto num riso tímido e lúdico. o tempo, contudo, é cretino: ali dentro fazia frio e o tique-taque do relógio se mostrava ensurdecedor. era tudo muito breve, mas oportuno. dali a pouco as nuvens se abraçariam e cobririam o céu em um grande manto; e num fechar de olhos, o pó também havia de se esconder.

II. de nosso último beijo só restaram os amores findos: daqueles que se dizem lindos, mas que caem no vão dos prédios tortos, ressignificando os tilintares do eco em queda livre. eram os olhos e o toque de ametista. o perfume era único e inserido na ordem natural do universo; o medo era que caísse no esquecimento, no ritmo de um filme noir. oblivion. n. the condition or quality of being completely forgotten.

III. a decomposição ocorreu em uma noite de sábado que explodia fogos de artifício e cantorias nostálgicas. era tudo muito ruim. teatro da memória, elevação astral e percepções hedonistas corrompidas pelo ato. poesia concreta e parnasiana. nunca me trouxe as cores quentes de uma casa pré-fabricada: mas era o vórtice tácito das piores paixões. por ontem, morremos. foi um míssil altamente calculado. física quântica. de nós, só resta o mais nobre dos silêncios – esse que fecha olhos e nos permite descansar.